quarta-feira, 16 de junho de 2010

"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO"

Texto de  José Antônio Oliveira de Resende




"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, t ambém ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!"

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Metaphor

Levou um tempinho, mas finalmente terminei a tradução para inglês do texto "Metáfora". Divirtam-se na teia de meus pensamentos que hoje estão muito mais claros e desembaralhados! ;o)

I am writing because I have this strange feeling in my heart. I feel I'm about to implode with sadness, but at the same time to burst with joy. Those controversial feelings cause me the same physiological reaction. The sweet tears that stream down my face when I'm very happy are the bitter ones that flow when I'm sad.

My process of "uprooting" brought me many good things and also many bad things. I moved away from family, good friends (my best pieces that tolerate me for years), my best addictions (some became worse), yet it threw me in the world, in life and this is giving me great lessons of self-knowledge and maturity that I never imagined happening. Yeah, I thought I knew everything about life and about me, guess what!, I didn’t know a third of the fourth part of half of the infinity line.

Uproot means, lexically speaking, pluck the roots (of a tree), transport it to another place, take care and hope it survives. I've gone through the stage hope-it-survives; I am in the beginning of a more advanced stage, the stage to live. Living the new differences, new developments, the sorrows, joys, the old, the interesting, the unusual... My life has been like that and I want it to continue for a long time. I do not want to be that kind of person I used to be, I want to be this 3.4 turbo version with even more open mind and heart with more sedimentary feelings, always ready to create new places to put together the pieces that come from other people. Some of them I haven’t even met, but they give me so much and so lovingly, that I can’t avoid not keeping them in my places. The bits of me left behind still have their place in the rooms, but nostalgia always tightens the chest as if it were strangling, crushing, suffocating! Then, someone comes in and drops a little the knot of the rope, it helps to take the hands off the neck and the chest rises and falls breathing relieved. Blessed technology!

I feel part of a metaphor, where their essence is the essence of itself by itself. Complicated? No, that's life! Living is a constant "to metaphor" where we, only we, can color our own scenery. We have the freedom to give the colors we want, how we want, when we want and the way we want. Living is to puff out our chest and say, "Come, I'm ready".


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Metáfora

Estou escrevendo porque estou com um estranho sentimento no coração. Sinto que estou prestes a implodir de tristeza, mas ao mesmo tempo explodir de alegria. Sentimentos controversos que me causam a mesma reação fisiológica. As doces lágrimas que escorrem pelo rosto quando estou muito feliz são as mesmas amargas que escorrem quando estou triste.

O meu processo de "desenraizamento" me trouxe muitas coisas boas e muitas coisas ruins também. Afastou-me da família, dos bons amigos (meus bons pedacinhos que me aturam há anos), dos meus melhores vícios (alguns se tornaram piores), porém me jogou no mundo, na vida e esta está me dando grandes lições de autoconhecimento e amadurecimento que jamais imaginei acontecer. É, eu pensei que sabia tudo sobre a vida e sobre mim, adivinha!, não sabia um terço da quarta parte da metade da linha do infinito.

Desenraizar significa, lexicalmente falando, arrancar as raizes (de uma árvore), transportá-la para outro lugar, cuidar e torcer para que ela sobreviva. Já passei da fase tocer-para-que-ela-sobreviva; estou no começo de uma fase mais avançada, a fase viver. Viver o novo, as diferenças, as novidades, as tristezas, as alegrias, o velho, o interessante, o inusitado... Minha vida tem sido assim e quero que continue assim por um bom tempo. Não quero voltar a ser aquela de outrora, quero ser essa versão 3.4 turbo com mente sempre mais aberta e coração com sentimentos muito mais sedimentados, sempre pronto a criar os puxadinhos para juntar os pedacinhos do que me vem de outras pessoas. Algumas delas nem conheço pessoalmente, mas me dão tanto e com tanto carinho, que não tenho como não guardar no meu puxadinho. Os pedacinhos de mim que ficaram para trás continuam com seus lugares no puxadinho, mas a saudade sempre aperta o peito como se fosse estrangular, esmagar, sufocar! Dai vem alguém e solta um pouco o nó da corda, ajuda a tirar a mão do pescoço e o peito sobe e desce respirando aliviado. Bendita tecnologia!

Me sinto parte de uma metáfora, onde sua essência é a essência de si por si mesmo. Complicado? Não; isso é vida! Viver é um constante "metaforear" onde nós, somente nós, podemos colorir nosso próprio cenário. Temos a liberdade para dar as cores que queremos, como queremos, quando queremos e da forma que queremos. Viver é estufar o peito e dizer, "vem que eu estou pronto".